CIA DOS BLOGUEIROS


sexta-feira, 13 de julho de 2012

FLAUDINHO RETORNA À BIBLIOTECA

 

FLAUDINHO RETORNA À BIBLIOTECA
21º CAPITULO

_ Eu não acredito que me deixei enganar por aquela burra o tempo todo. Ela me ligava, dizendo querer marcar um agendamento. Parecia que sabia que eu não marcaria nada pra ela. Parece-me que ela sabe mais coisas do que eu sei. Quem seria, ou será aquela burra, idiota que me ligava várias vezes, impedindo-me de ler o meu manual? Ah... manual, cadê você? Cadê você, manual do Flaudinho? Onde será que eu o deixei? Será que ele foi levado junto com a N.A.P.O? Será que aquela mulher, intrometida do cão, roubou o que deveria ser protegido por mim? Caracas! Preciso fazer outra fralda, nu não conseguirei fazer coisa nenhuma. Estou com vergonha de mim, com raiva ao mesmo tempo pela minha incompetência. Nunca antes na história de Flaudilândia um bem da família havia sido roubado. Será? Por quais problemas meus irmãos mais velhos passaram para se tornarem um guerreiro? Quais as batalhas que eles enfrentaram para se consagrarem guerreiros aos olhos do meu pai? Será que essa mulher, ou esse diabo, sempre esteve presente nas ligações, ela era elo entre eles, mas eles conseguiram vencê-la? Como era o existir antes disso tudo? Cadê os meus irmãos, a minha mãe, o meu pai? Cadê todos eles que me abandonaram aqui, com tanta dor, com tanta necessidade de nascer, de viver e crescer dignamente para me tornar um guerreiro e dar orgulho à minha família? “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, por que esse livro estava à minha disposição? O que eu deveria ter feito com ele e não fiz? Por que estou tão cercado de livros sustentados pela fogueira submersa de uma inquisição diabólica que suporta em seus ombros Eras e Eras? Que árvore é essa que eu me submeti a subir, descobrindo em sua altura o passado distante de uma Flaudilândia recente? Será mesmo árvore, pirâmide, ou simplesmente a ponta do iceberg do inferno? Ironia ou não, sei apenas que eu nasci e transcendo num vai e vem de conflitos sem resgates... Quem é o meu pai? Será que eu tenho que estudar escondido para ser diferente, por isso essa biblioteca? Por que não posso ser igual aos outros meninos? Quero beber daquele vinho também. Quero comer daquele pão também! Pelada, ai vou eu! Mas não vou carregar ninguém junto comigo. Irei sozinho, ultrapassando pessoas, pisando-lhes as cabeças. Nada me impedirá de chegar lá em cima agora! Quer saber? A chave... a chave... Hum... sei o que fazer com você!
Livro da árvore genealógica, abra-se! Pesado, mas eu vou conseguir abri-lo novamente. E esse meu pulso que dói sem parar, quase deliro de tanta dor. Vou me manter forte e sóbrio. Subindo...
Que essas Eras se rasguem com os meus pés. Que essa geração se extinga com o peso do meu corpo. Que essa história se apague com o suor que pinga do meu cansaço. Que esses personagens sejam levados pela tormenta da minha passagem. Que esse passado todo seja limpado da minha memória, porque aqui cheguei, menino que toma vinho! Cheguei para a sua Era. Quero ver a sua bola rolando no gramado virgem da sua existência. Quero me sentar com você e saborear o pão que a tua mãe amassou. Melhor eu gritar, assim poderá me ouvir e ver.
 Menino que toma vinho de manhãããã, olhe aqui!!!!!!! Aqui em cima da árvore!!!!! Eu cheguei para assistir ao seu jogo, com o seu amigo Pôncio Picasso!
_ Pôncio, está escutando isso? Parece que tem alguém em cima daquela árvore chamando por mim!
_ Vai ver é mais um macaquinho de circo, daqueles treinados para pedir  kkkkkkkkk
_ Hei, aqui, menino que toma vinho! Meu nome é Flaudinho, venho de Flaudilândia somente para assistir ao jogo...
_ Xi! Deve ser mais um olheiro, essa espécie só quer levar vantagens com os passes dos meninos prodígios.
_ É nada, Picasso! Parece uma coisa estranha! Vou chamá-lo:  Menino, está fazendo o que aí? Desça dessa árvore!
_ Eu subi o mais alto que eu pude só para vê-lo, menino! Olhar pra você e chamar a sua atenção para mim, eu preciso de você, menino! Sou pequeno demais, essa árvore é imensa, faço de tudo para descer e vê-lo jogando.
_ Então venha, menino! Entra na turma, entra na minha casa, venha cear comigo e os meus amigos.
_ Eu não consigo descer. Tenho um punho quebrado que dói muito.
_ Picasso, você que é bom para trepar em árvores, sobe lá e desce com o menino!
_ Vou, nada! Ele que aprenda a descer, não subiu?
_ Menino, como você se chama mesmo?
_ Flaudinho!
_ Então, Flaudinho! Pula que eu te pego aqui embaixo. Acredite em mim!
_ Então eu vou pular, lá vou eu...
_ Não, Pôncio!!!   Você me empurrou!???  Por que fez isso? Coitado do menino! Veja, ele está todo esfacelado no chão! Por que não me deixou segurá-lo?
_ Porque é mais um querendo se aproveitar da sua boa vontade, querendo se jogar como peso nas suas costas. Pronto! Esse não enche mais o saco, está morto!
_ Não! Ele acreditou em mim! Ninguém que acredita em mim poderá morrer por traição! Levante-se Flaudinho, eu peço que se levante desse chão e se erga para a vida, agora!
_ Bem, aqui acaba a minha amizade com você, muleki besta! Lavo as minhas mãos.  Eis ai o menino! Ele está vivo.
_ Vá Pôncio! Deixe-me com o menino que se levanta. Venha até mim, Flaudinho.
_ Mas, Senhor, estou todo quebrado!
_ Levante-se Flaudinho! Não está quebrado. Você está inteiro para a vida agora.
_ O meu pulso... o meu pulso está curado!?
_ Levante-se Flaudinho, e não conte nada a ninguém.
_ Saí de um lugar muito ruim, deixei lá o patrimônio da minha família, que foi roubado, para vir assisti-lo, Senhor. Agora o Senhor que salva, me cura, me conserta... Muitos obstáculos encontrei pelo caminho quando tentei chegar aqui, fazendo-me retornar de onde saí, até que desci no mais profundo da minha existência quando me enrosquei no meu umbigo.
_ Hum... e cadê o seu umbigo?
_ O diabo o cortou, apropriou-se dele.
_ Hum... isso quer dizer que o diabo lhe fez um favor, não acha?
_ Como que o diabo pode fazer favor a alguém? Só se for coisa ruim a pedido de alguém para prejudicar outro.
_ Você não o julga capaz de ajudar alguém?
_ Claro que não! Se fizesse o bem a alguém não viveria sozinho lá naquele inferno onde eu o encontrei. Estaria rodeado de amigos.
_ Hum... Flaudinho, estar sozinho não significa que não tenha amigos. Estar rodeado de gente não significa que são todos seus amigos. O que significa fazer o bem quando na ação do fazer não há sinceridade?
_ Não entendi, Senhor!
_ Hum... Quantos anos tem, Flaudinho? Parece adulto, mas é tão criança. Tem pelos pelo corpo. Tem corpo formado de homem.
_ Senhor, eu não sei quantos anos tenho. Eu nasci ontem, dentro de uma biblioteca. Minha mãe, a Dasdor, me deixou lá para eu me virar. Mas eu não encontrei nada lá além de livros, de um telefone que tocava sem parar, e de um manual do Flaudinho que eu deveria ler, mas... não li.
_ E por que não o leu?
_ Ah, tinha uma mulher que me ligava sem parar, ela me impedia cumprir o meu ensinamento. E depois eu achei o livro da árvore genealógica e fui subindo nela, até chegar aqui, onde me encontro agora.
- Hum... Você tem uma história interessante, Flaudinho. Agora venha, quero que se sente à mesa com meus amigos para cearmos juntos. Minha mãe fez pão recheado com azeitonas. Bati na árvore para derrubá-las há pouco tempo. Parece que ouvi alguma coisa caindo da árvore com muita força enquanto eu batia nela. Parece...
- É, parece! O seu amigo Pôncio não vai ser mais seu amigo, só porque o Senhor me salvou da queda?
- Ele é boa gente! Logo voltará para jogarmos novamente. Agora, veja os meus convidados, Flaudinho. Todos o esperam.
- Mas... Por que me esperam? Eu os conheço a todos. Eles são...
-  Sim, Flaudinho, eles são os seus personagens. Aqueles a quem você se referia para se comunicar com a dona burra, aquela que te ligava constantemente, impedindo-o de ler o seu manual.
- Sim, são eles. Os de túnica que sofismavam, os tios dos meus tios, meus pentatioavôs, meus primos, até o mestre, olha ele aí. O do caroço, da Santa Casa, , Tigresa, Rei Rarthur com o Roque-roque. Olha ali a Dita e o Feito! Didador, Seu Gengis, Dona Maria... Como vocês chegaram até aqui? Olha ali, o cavalão do seu Gengis!
- Olá, Flaudinho, muleki encardido. Você me deixou preso lá naquele Castelo Branco, dona Maria apiedou-se de mim e me resgatou. Estou  salvo porque a Dona Maria curou o meu cavalão e me convidou a subir na árvore. Ela tinha certeza que o encontraríamos aqui, muleki.
- É, Flaudinho. Desde o primeiro momento sabia que você não era de desistir daquilo que queria realizado, por isso fui atrás de salvar o seu amigo Gengis, sabia que gostava dele. Seja bem vindo, Flaudinho.
- Mãe, esse menino estava em cima da árvore, ela vai cear com todos nós.
- Meu filho, o pão não vai dar para todos, só mesmo um milagre para multiplicá-lo. Além do mais, o Zé bebeu quase todo o vinho. Água está escassa, porque a sua madrinha Flor levou um jarro grande para repartir com a Durva, lá da escola, que está pegando fogo de tanto a molecada fazer aquele negócio estranho... você sabe o que é! E aí, Flaudinho é? Que nome mais estranho! Sua mãe sabe que está aqui? Deixou pelo menos um recado para não preocupar a velha  com a seu sumiço, muleki!? Vou te contar, filho é tudo igual mesmo. Só serve pra dar trabalho. Vou esperar pra ver alguém aprovar o EMA – Estatuto das Mães dos Aborrescentes.  Quero ver lá os nossos direitos. Porque o dever de sofrer já é nato. Sente-se  aí, à direita do meu filho, afinal de contas, onde comem muitos, come mais um. Esse momento da ceia é muito sagrado na nossa tradição. É um momento em que se houver traidor entre nós, ele não será perdoado. Para se sentar à mesa, esta mesa, há de se ter lealdade, Flaudinho! Entendeu?
 _ Muito obrigado, senhora. Lá de cima da árvore eu podia ver muitas coisas... Mas eu estou muito agradecido ao filho da Senhora, a amizade dele realmente me reviveu. Vou agradecê-lo agora, se me permitirem, que  todos vejam...
 _ Oh, meu filho.... roubaram o nosso pão. Cadê o nosso pão, Senhor?
_ Como roubaram o pão, mãe. Deixou a porta aberta?
_ Mas como, meu filho? Quem entraria aqui, num dia tão sagrado como hoje, para roubar o pão que você dividiria com os seus amigos? Aquele que nos roubou terá o justo castigo.
- Minha senhora, agradeço muito a seu filho pelo convite, obrigado pela acolhida, mas não precisa se desesperar. Há tempo que eu não como e nem bebo, quero apenas, se me permitirem, agradecer o meu Senhor pela salvação que ele me proporcionou hoje.
FLAUDINHO BEIJA A FACE DO SENHOR
_ O que está acontecendo, seu Gengis, dona Maria? Meus personagens, o que está havendo?
 _ Se você estava sobre a árvore, Flaudinho, certamente viu quem roubou o pão sagrado da ceia. O seu beijo, Flaudinho, entregou o ladrão. Essa data é sagrada, um ladrão deverá ser entregue ao povo e receber o castigo que ele merece pela sua falta.
 _ Mas ele não roubou o pão, esteve comigo durante a minha descida da árvore. O meu beijo foi apenas para agradecê-lo por ele  ter me dado outra oportunidade para viver. Eu estava esfacelado no chão, ele me curou, curou o meu pulso que estava quebrado, a senhora se lembra dona Maria, seu Gengis, do meu pulso quebrado? Fala para eles que o Senhor me salvou, que ele não é o culpado pelo roubo do pão. Eu não o entreguei. Eu o agradeci, apenas, com o meu beijo de gratidão!
_ Flaudinho, esse seu beijo foi um código para o dia de hoje. Ele sofrerá como deve, de acordo com a sua Era.
_ Não! Ele não é o culpado. Cadê o pai dele. Ele tem pai? Não o levem. Ele é inocente!
_ Crucifica-o! Crucifica-o!
_ Por que todos gritam isso?
_ Quantos livros você leu na sua biblioteca do tempo, Flaudinho? Não conhece essa expressão? Ela não lhe é familiar?
_ Senhor, me perdoe. O Senhor me salvou. Onde está o seu pai? Tenho certeza que ele é um guerreiro e não deixará o filho dele pagar por um crime que não cometeu. Que pai permitiria isso? O meu pai não permitiria.
_ Flaudinho, menino, quem é o seu pai? Você caiu daquela árvore, eu o curei. Agora cumpra com o seu desígnio. Sê guerreiro, faça-se homem, Flaudinho!
_ Como ser homem, nem sei quem é o meu pai. Criei uma imagem de força para espelhar-me nele, mas nunca o vi.
_ Flaudinho, meu irmão, somos iguais. O meu pai também é um grande guerreiro, venceu guerras sem nunca ter provocado nenhuma. Eu o amo, mesmo sem nunca tê-lo visto. Flaudinho, você também é meu irmão, por isso é um grande guerreiro.  Não chegou a esta página do seu manual? 
_ Se o seu pai fosse um guerreiro de verdade não deixaria você morrer, pagando por um roubo que não cometeu. Posso morrer no seu lugar, Senhor? Nunca fui um guerreiro. Isso certamente não estava escrito no meu manual.
_ Não, Flaudinho! Cada um luta por aquilo que acredita, por aquilo que vale a pena lutar. Vive com aqueles com quem vale a pena viver, mesmo sabendo o outro inimigo, há a necessidade de vivermos com ele. O que um tem que viver, o outro não pode viver por ele. O que um tem que morrer, ninguém morrerá aquilo por ele. Portanto, Flaudinho, tivesse lido e seu manual, entenderia melhor essa passagem.
_ Mas aquela mulher burra me ligava constantemente, me impedindo isso!
_ É, aquela mulher é mesmo diabólica! Você a venceu? Tenho que ir ,Flaudinho, tenho que morrer diante dos seus olhos, dos olhos dos seus personagens. É chegada a minha hora.
_ Sou eu o responsável pela sua morte, Senhor? Pai, por que o abandonou? Ele é o seu filho, cadê, você? Não é um guerreiro como meu pai é e os meus irmãos também são?  Irmãos, somos todos irmãos, vamos salvá-lo, ele é inocente, está morrendo por minha culpa? A mãe dele chora, a madrinha e os amigos também, mas não fazem nada para salvá-lo? Por que o açoitam? Ele é inocente? Permitam-me pelo menos ajudá-lo a carregar o seu fardo? Sou eu o culpado, sou eu o culpado, fui eu que roubei o pão! O pão foi roubado por mim! O pão sagrado foi roubado por mim, soltem o Senhor, ele é inocente!  Aqui está o amigo dele, o Pôncio Picasso está chegando, o Senhor disse que você voltaria. Estávamos juntos quando ele me reergueu, afirme isso, Pôncio, foi ou não foi?
_ Foi sim, esse menino caiu da árvore, eu empurrei o  senhor quando ele ia pegá-lo. O menino se quebrou todo no chão, o Senhor o consertou. O senhor o acolheu em sua casa. Vi quando ele pegou o pão!
_ Isso mesmo, sou eu o ladrão!
_ Solte o Flaudinho! Solte o Flaudinho!
_ Faudinho, acho melhor você voltar para a sua Era. Nesta, você já cumpriu com a sua missão!
_ Não posso, Pôncio! Eu só queria assistir àquela pelada. Chego aqui e vejo esse monte de gente toda conhecida da minha família, reunidas para cearem com o Senhor que me salvou, vendo-o sendo morto e não fazem nada para ajudá-lo? Cadê o pai dele? Cadê o pai dele? Não é filho de um guerreiro? Seus irmãos não são guerreiros como o seu pai é?
_ O pai dele é o mesmo que o seu, Flaudinho! Os irmãos dele são os mesmos que o seu, Flaudinho. Cada um se conecta com o seu guerreiro com a forma que lhe compete. Qual instrumento usou para a sua conexão?
_ Não fui eu, Pôncio! Foi a minha mãe que me deu aquele telefone, me colocou naquela biblioteca, aquelas ligações todas para a minha família fazer serviços que eu não sabia bem ou mal aos outros, Sei que a agenda dos meus irmãos viviam lotadas de pedidos.
_ Flaudinho, esse período da sua passagem, você  esteve  conectado somente com um elemento, obedecendo às ordens de um único elemento. Somente uma linha o ligava à sua existência e às  suas ações.
_ Não pode ser? O que eu fiz? Ajudei a prejudicar inocentes, condenei com as minhas palavras... Matei com um beijo!? Agora é tarde para reparar o que eu fiz. Palavras não se apagam, condenações não se apagam, prejuízos não se apagam... todos, ainda que perdoados, ficam registrados na alma, no mais íntimo de todo ser.  O que eu fiz, Pôncio Picasso!? Você sabia que eu cometeria essa crueldade com ele, com o seu amigo, o meu Senhor, por isso não queria que ele me salvasse daquela queda, não é?
- Flaudinho, o seu arrependimento é claro. Confio na sua vontade de consertar o que fez. Mas somente a vontade não basta.
_   Ahhhhhhhhhhhhhh! Ahhhhhhhhh!
_  Flaudinho, aonde vai com tanta fúria? Não vá fazer besteiras. Acalme-se Flaudiinho!
_ Voltarei de onde eu saí, Pôncio! Só queria assistir a uma pelada, mas vi coisa pior pelo que eu fiz! Agora é a minha vez de fazer história! Não... Não.... Ele era inocente...
continua
Rita Lavoyer

quinta-feira, 5 de julho de 2012

A PRIMEIRA REFEIÇÃO OFERECIDA A FLAUDINHO

FLAUDILÂNDIA – UMA CIDADE SERIAMENTE GOZADA
Vigésimo capítulo
 a primeira refeição oferecida a Flaudinho
_ Mas isso é o próprio inferno! Quem aguenta tanto questionamento? Você não dá uma resposta! Você só se comunica através de perguntas é , coisa ruim!?
_ O que acha?
_ Ah, vá pro inferno! Me deixe ir, não preciso de  diabo nenhum para fazer o que devo e quero fazer. Vou procurar o patrimônio da minha família e sair daqui antes que você me enlouqueça, e saia da minha frente, diabo!
_ Eu o estou atrapalhando? Você invade a minha morada e sou eu que o atrapalho? Flaudinho, você tem algum problema?
_ Quem você pensa que é para se dirigir a mim dessa forma, com essa petulância de pergunta? Sabe com quem você está falando? Sabe de quem eu sou filho para imaginar que eu tenho algum problema, criatura do inferno?
_ Flaudinho, eu sei quem eu sou, sei o grau da minha pergunta, o quanto ela o provocou, sei com quem eu estou falando, mas não tenho a mínima ideia de quem seja esse filho de um alguém que você imagina e que não possa ter problema. Quem é essa criatura que é filho de tão majestosa figura e que ousa indagar-me se eu sei com quem estou falando? Com quem eu estou falando, muleki?
_ Muleki é a tua mãe! E não fale assim comigo, eu odeio que falem assim comigo, desde quando nasci me chamam de muleki. Todos me chamam disso, me chamam daquilo, mas eu sou filho do Fudêncio, um guerreiro de verdade, e hei de ser como ele e os meus irmãos mais velhos. Serei um guerreiro de verdade para dar orgulho à minha família. 
_ Quem é a sua família, muleki idiota!?
_ Idiota é você, criatura burra, que nem identificação sexual tem!
_ E qual é a sua, mu-le-kiiii !?
_ Não me provoque que eu sou capaz de matá-lo, ou matá-la, não me importa quem seja. Vou te matar e arrancar as suas vísceras infernais e as jogarei no fogo do... no fogo do....
_ Em qual fogo, mu-le-ki-nho?   kkkkkkkkkkkkkk 
_ Não fosse esse meu punho que dói tanto eu já teria resolvido com você, recuperado o patrimônio da minha família e saído daqui. Ainda quero assistir aquela pelada lá em cima, nas primeiras copas da árvore. Ver aquele menino que toma vinho de manha jogar bola deve ser uma graça, ver aquela mãe amassando o pão e ... quem sabe, ver o menino dividindo com os amigos o pão que a mãe deve fez para a ceia, mas...  RRRRRRRRRRRRrrr que ódio! Estou aqui perdendo o meu tempo com o diabo!
_ Hum... Está nervoso, Fla-u-di-nho? Quer dizer que deseja assistir a uma pelada e tem fome de vinho e de pão? Tem fome, Flaudinho?
_ Por que sussurra, criatura do inferno?
_Tem fome ou não tem, Flaudinho?
_ Não é da tua conta o que eu tenho ou deixo de ter.
_ Quer pão? Eu tenho! Quer vinho? Eu tenho !  Você quer?
_ O que é isso? Não me mostre isso, não quero ver isso!?
_ O que acha que é isso, Flaudinho? Por que não quer ver? Coma! Mate esta tua fome e cure esta inanição de vida!
_ Eu não posso fazer isso! Um guerreiro não se abate com a fartura, ainda mais...
_ Ainda mais...  hum... Toque   aqui  Flaudinho, não tenha medo... coma... coma Flaudinho.... coma  Flaudinho coma... KKKKKKKKkk
_ O que está acontecendo comigo? Que alimento é esse?
_ O que você acha que é, Flaudinho?
_ Acho que é uma maçã!
_ E então ?
_ O que se passa oculto aqui embaixo? Que clarão é esse que arde e me cega os olhos?
_ O que te parece ser, Flaudinho?
_ Não consigo imaginar, mas consigo ver a árvore genealógica inteira sobre nossas cabeças, como pode isso?
_ Ela está sobre nós, Flaudinho? Inteirinha?  Quem você acha que a sustenta? Vê algum operário me ajudando, Flaudinho?
_ Diabo, você não tem esse poder!?
_ Que poder, Flaudinho?
_ De sustentar e suportar o peso da árvore genealógica sozinho sobre  seu ombro,  sua cabeça,   seu verme!
_ Hum... Me vê verme? Fiz o bem a você, não fiz?
_ Que bem?
_ Não acha que eu te fiz algum bem? Nenhum mesmo? O que significa mesmo os  números do telefone, aquele que você atende na sua biblioteca? Hum... Vamos ver se eu decorei... 018- DDD não é esse, Flaudinho? 1124-6988. Constava num cartãozinho, e uma tal burra ligava constantemente para agendar um desentupimento... Conseguiu ler o seu manual, Flaudinho?
_ Quem é você, sua burra, idiota do cão!?
_ Hum... Pra que tanto espanto? Que cara de medo é essa, seu muleki?
_ O que você fez comigo?
_ Hum... Flaudinho, Flaudinho... Acredita mesmo que o seu pai é um guerreiro e que os seus irmãos, os mais velhos, como você gosta de se referir, também são? Oh... me-ni-ni-nho! Gosto tanto de você! E agora, quem é mesmo a burra do outro lado da linha?
_ Preciso sair daqui, agora, sua ladra! Devolva a N.A.P.O. da minha família, senão eu subo até a minha biblioteca,  reúno todos os meus irmãos guerreiros, venho com eles até aqui e eliminamos esse antro...
_ Vai... Quero ver! O que você achou da maçã, umbigudo?
Zapt! Zapt!
_KKKk   Pra quem pretender ser um guerreiro, precisa aprender a acertar o alvo!
_ Não vou ficar aqui perdendo o meu tempo com o diabo! Fique ai com o teu inferno que eu tenho decisões mais importantes para tomar ...
_ Ah, vai fugir então!?
_ Você não pode me impedir. Me solte, diabo, diaba, sei lá! Solte o meu umbigoooooo!
_ Pode fugir, mas o teu  umbigo ficará comigo para sempre. Eu o enterrarei aqui!
Zummmm - Zummmm
_ Não... não.... você não podia ter feito isso comigo! O meu umbigo, não!
_ Agora ele é meu, Flaudinho! Quer fugir de mim, fuja! Já cortei o nosso laço! É você por você mesmo. Faça-se guerreiro se for capaz! E pare de chorar, muleki mole! Vá! O buraco ainda está aberto. Poderei fechá-lo a qualquer momento, daí   ficará para sempre aqui!
_ Vou, mas eu volto para aliminá-lo ou eliminá-la!
_ Ficarei te esperando. Flaudinho! Veremos...

continua

terça-feira, 19 de junho de 2012

QUEM SÃO ?

Flaudilândia, uma cidade seriamente gozada
Décimo oitavo   capítulo
Quem são?
_ Como vim parar aqui?
_ Hum... Alguém o buscou? De onde você  saiu só havia uma passagem?
_ Claro! Entrei em um buraco feito na parede da minha biblioteca. Minha não, da minha família. Fizeram um buraco na parede da biblioteca de Flaudilândia, cidade onde moro, enquanto eu estava na árvore tentando... Ah, deixa pra lá. Estou procurando um bem precioso da minha família. Se estiver aqui, e foi você ou alguém que você mandou para roubá-lo de- volva-o já. Não saio daqui sem a N.A.P.O.
_ Hum... há um bem precioso que se chama Napo e o roubaram.... muito bem.... e de onde tirou a ideai de que esse bem poderia estar aqui?
_ Ora, não se faça de desentendido... hum... ou desentendia. O buraco da parede me trouxe direto aqui, então o bem roubado está aqui.
_ Hum... quer ir procurá-lo para ver se o encontra?
_ Para onde leva esse caminho?
_ Não quer ir você mesmo para ver onde ele chega?
_ Aqui à minha esquerda é o que?
_ O que te parece ser ?
_ Hum... Parece um  rio, mas há tanto fogo sobre a água, por quê?
_ Então aquilo que vê é isso que me diz?
_ É sim! Por que há fogo sobre a água?
_ Por que você acha?
_ Você só sabe fazer perguntas  é, seu ... seu...
_ Você não consegue entender as respostas?
_ O que é isso sobre a sua cabeça?
_ O que acha que é?
_ Acho que são chifres, não são?
_ Não sei, você acha mesmo que são?
_ Acho! E porque eles têm pontas indicando para  cima são chifres mesmo. Porque os chifres apontam para cima.
_ Apontam?
_ Ah, como faço para atravessar esse primeiro caminho que eu tenho que pegar para encontrar a N.A.P.O da minha família?
_ Por que quer atravessar?
_ Uai! Tem outro jeito de eu me transpor  de um lado ao lado sem atravessar?
_ Já fez isso alguma vez?
_ Claro  que já, apesar de eu ter nascido ontem, eu não nasci ontem dentro do dito popular, sua criatura horrorosa! Você faz perguntas por que não sabe dar respostas?
_ Você acha isso mesmo?
_ Acho sim, diabo! Ou diaba? De qual raça você é, criatura infeliz?
_ De qual você imagina que eu seja?
_ Eu não imagino, eu tenho certeza! Você é da pior raça que possa existir para destruir o que já existiu.
_ Hum... e o que já existiu que foi destruído?
_ Muitas coisas foram destruídas por causa da sua presença. É você o culpado por tudo de ruim que se passa ou possa causar destruição...
_ Hã! Onde você me viu presente, destruindo? Já tinha me visto antes?
_ Não! Essa é a primeira vez que o vejo frente-a-frente! E posso ter a  certeza de que é o coisa ruim, aquele que nos faz perder a cabeça para investirmos contra algo ou alguém. É você  o culpado, ou a culpada pela  dor que sentimos...
(...)
_ Não vai falar mais? (...) Acha, então, que sou uma coisa ruim? Vê ao seu redor alguma cabeça fora do corpo? Você está sentindo alguma dor agora, Flaudinho?
_ Não! Estou sentindo coragem de poder olhar para a sua cara de coisa  do mal e poder dizer tudo isso e mais algumas coisas que precisava ouvir, mas não posso perder tempo com bate boca com o diabo porque eu tenho que recuperar a N.A.P.O. que você roubou da minha família!
_ Está me acusando de roubo, Flaudinho?
_ Não o estou acusando! Eu o estou condenando desde já a continuar sendo o que    é porque já nasceu para ser   somente isso, porque não tem capacidade para ser outra coisa, além de coisa ruim! Você sabe com quem você está falando, diabo?
_ Hum...  Com quem?
_ Venho de Flaudilândia, sou filho de Fudêncio, o fundador de Flaudilândia! Serei um guerreiro como o meu pai é e os meus irmãos mais velhos também são!
_ Por que a cidade não recebeu o nome do fundador dela?
_ Já respondi a essa pergunta quando eu nasci, ontem, na biblioteca de Flaudilândia, a uma burra que liga lá para agendar um serviço de encamento... ah! Cadê a N.A.P.O? Vamos, me devolva que saio daqui com ela, ninguém ficará sabendo do ocorrido e eu o perdôo pelo deslize.
_ Qual foi o meu deslize?
_ O roubo! Você é  um ladrão!  Ou ladra, sei lá se diabo tem sexo! Foi você, coisa ruim, que  quebrou a parede para furtar a N.A.P.O enquanto eu tentava subir na árvore genealógica para assistir a uma pelada. Vamos logo, que ainda quero pegar aquele jogo!
_ Quer dizer que conhece uma árvore genealógica?
_ É claro que conheço, criatura burra do cão! Ela está acima de você e é imensa. Há História naquela árvore que você não tem olhos para ver, porque vive neste seu submundo infectado de fogo. Vamos! Preciso atravessar aquele rio e chegar à outra margem!
_ O que viu na árvore?
_ Muita gente, de muitas Eras, que fizeram histórias. Cada Era tem uma copa cacheada de habitantes. Conforme as Eras vão passando e outras surgindo, as copas vão se tornando cada vez maior. Sou da Era de Flaudilândia, a que se encontra na parte mais baixa da árvore, a que mais sombreia! Entende? A que está aqui em cima da sua cabeça, ou melhor... de seus chifres! Olhe pra cima, diabo, e veja! Hum... (...)   O que é isso que se derrama lá de cima, diabo?
_ O que te parece ser?
_ Parece raízes. Mas são tão grossas! Cada raiz parece o próprio tronco da árvore genealógica da minha família! Mas vamos logo, diabo.  Esse lugar é muito baixo para um futuro guerreiro!  Se o caminho do rio tem fogo, há outro que me leve a algum lugar onde eu possa pegar a N.A.P.O  que você roubou?
_ Teria coragem de procurar outro, Flaudinho?
_ Claro que tenho! Sou filho de um Fudêncio, fundador MOR de Flaudilândia! Serei um guerreiro como ele. Meu pai não abandona o posto de guerreiro nunca.  É melhor você me ajudar a retornar com a N.A.P.O lá para a minha biblioteca, senão o meu pai te pega de jeito, viu!
_ Você já viu o seu pai pegar alguém de jeito quando alguém não ajuda um filho dele a encontrar o que procura mas não acha?
_ Ora, ora, tenho lá que dar satisfações para o diabo, coisa ruim!? Sabe com quem você está falando por acaso?
_ Eu estou falando com alguém? Se é alguém, quem é esse alguém?
_ Sou o Flaudinho, coisa ruim!
_ Então você é mesmo Flaudinho? E o que é isso na sua barriga?
_ Isso é o meu cordão umbilical. Ontem, quando eu nasci a minha mãe, a Dasdor, me deixou na biblioteca e disse para eu me virar e dar um jeito de cortá-lo. Não consegui achar nenhum instrumento para fazer isso, por isso fui tocando com ele mesmo, perdurado aqui na minha barriga. Gosto dele. Chama a atenção, não acha?
_ O que você acha que eu acho, Flaudinho!?
_ Não acho que você ache alguma coisa,  bicho das trevas. Vamos, me indique outro caminho...
_ Por que está nu, Flaudinho?
_Nossa, que vergonha!  Não tinha percebido que estou nu! Devo ter perdido a minha fralda na queda. É o meu punho, que dói tanto que eu acabei  me esquecendo de pôr a fralda. Pode me arrumar algo pra me cobrir, por favor!?
_ Por que quer se cobrir?
_ Para não ficar como você, nu!
_ Você está me vendo nu?
_ Não! Mas também não o vejo vestido com nada. Como protege a sua genitália?
_  Vê genitália em mim?
_ Não! Diabo não tem genitália?
_ Como imagina que seja a minha genitália?
_ Eu não imagino coisa nenhuma sobre  sua genitáia, sua coisa asquerosa! Anda logo! Me arrume algo para cobrir as minhas partes íntimas. E pare de  me olhar, senão eu perco a cabeça e vai ver do que sou capaz!
_ Por qual razões perderia a cabeça, Flaudinho?
_ Por muitas razões. Pelo fato de você existir já é uma delas, e bem convincente, pronto!  
_ Eu existo para você, Flaudinho!?
_ Oh, raios! Claro que existe, você é o próprio diabo em pessoa! De onde você vem, quem te mantém aqui, vive sozinho?
_De onde você acha que eu venho? Quem você acha que me mantém? Eu vivo sozinho, Flaudinho?

Continua....

Rita Lavoyer

quarta-feira, 6 de junho de 2012

FLAUDINHO CONHECE O INFERNO


FLAUDILÂNDIA- UMA CIDADE SERIAMENTE GOZADA
DÉCIMO SÉTIMO
FLAUDINHO CONHECE O INFERNO
Plaft! Plaft!  Plaft! Plaft! Plaft!
_ Meu filho! Estão batendo palma, vá ver quem é!
_ Mas mãe, deixe bater mais um pouco para ver se descobre quem está na porta.
Plaft! Plaft!  Plaft! Plaft! Plaft!
_ Menino! Vá logo atender a porta, estão batendo palma! Seja obediente criatura!
_ Ai mãe, mãe, mãe! Ainda não conhece essas palmas? Quer ver só que ela vem com aquela canequinha nas mãos de novo?  (...)  Oi madrinha Flor! A senhora não precisava nem bater palmas aqui na porta, era só entrar, já faz parte da família mesmo!
_ Oh, meu afilhado, como você está, e a sua mãe? O que você está fazendo em casa uma  hora dessa? Não deveria ir para escola?
_ É... deveria, mas hoje eu resolvi não ir.  Estou sofrendo bullying lá na escola, por isso tenho que desenvolver  uma dor de cabeça, daqui a pouco vou ter dor de barriga e calafrios, não vou à escola hoje, pronto! Respondi a sua pergunta?
_ Por que você está sofrendo bullying lá? Quem é que está fazendo isso?
_ Olha madrinha é um montão de  criança lá, sabe? Todos iguais, como eu, mas inventaram que eu tenho que ser diferente deles. E tem mais, dizem lá que eu não tenho pai e que a minha mãe anda com o Zé. Ficam me zoando e por isso eu convidei o meu amigo Pôncio Picasso para jogarmos uma pelada hoje. Eu estou preferindo brincar a ter que ir para a escola.
_ Que é isso, meu filho!? Andando com esse menino!? Não sabe que ele é uma péssima influência? Nem a mãe dele  o aguenta dentro de casa. Se continuar andando com ele vão dizer quem você é realmente.  Ele era  um interno lá na Femau, comandava um grupo para cassar os direitos de implantar as catracas na porta de entrada.
_ Mas... madrinha! É claro que o meu amigo tinha que ter esse perfil hoje, veja o nome da casa onde enfiaram ele, só porque ele xinga a mãe dos outros não significa que ele é mau. Se quisessem que ele se tornasse melhor  teriam que prendê-lo numa casa chamada Febem, não acha?
_ Não acho! E tem mais, menino! Esse negócio de bullying  ai é só ir lá falar com a amiga Durva que  ela  está na dianteira desse problema nas escolas.
_ Madrinha, quem é essa Durva? Por acaso não é Dalva, a estrela Dalva que no céu desponta
_ Não menino! Aí, já está começando a variar, quem falta às aulas fica burro sabia? Não é a Dalva, querido! Dalva é a irmã gêmea dela que, de tão inocente,  foi pro céu, virou estrela.  A Durva, Durvalinda, está trabalhando essa questão da violência nas escolas. É bom a sua mãe ter um dedo de prosa com ela, tenho certeza que irá resolver o seu problema, aí não faltará mais em nenhuma aula. Além do mais, esse negócio de dizerem que você não tem pai,  faça cara de paisagem e finja que não é com você.
_ Quem está ai, meu filho!?
_ Ó mãe, é a madrinha Flor! Não falei pra senhora que as palmas já são conhecidas? Já conheço as batidas da madrinha. É que faz um eco por causa da canequinha que ela traz nas mãos
.
_ Comadre, entre, não fique parada ai na porta!  Vai meu filho, traga uma taça de vinho pra matar a sede da comadre Flor
_ Hum... tô indo! Quer que eu pegue mais alguma coisa  para pôr ai na sua canequinha madrinha
_ Meu filho, faça o que lhe pedi e pare de ficar escutando conversas de adultos!
_ Comadre, desculpe eu vir aqui novamente, na sua casa, até o meu afilhado já está se aborrecendo com as minhas visitas, quase que diárias. É que eu estou novamente  precisando de ajuda, comadre. Sabe como é, secaram a Lagoa das Flores. Agora nem há sapinho e nem assa pão. Onde tinha taboa, tá mal. O que era brejo agora está seco de tudo. Nem peixe, nem lula moluscos e nem bob esponja para enrolar os cabelos e lavar  as panelas,  porque nem ficam sujas, não tenho mais nada para cozinhar. Agora nem precisamos mais atravessar  sobre o mata burro para atravessarmos a baixada ribeira, passamos por baixo mesmo.   Ai, como a vida era boa, agora a única coisa que eu sei fazer é pedir ajuda. Está aqui a minha canequinha, põe o que a comadre tiver que eu levo e faço em casa.
_ Precisa não, mãe! Eu pego lá para a madrinha. Toma aqui a sua taça de vinho, mas não vai entortar o caneco e sair  trololó pela ruas, heim madrinha! E tem mais, quer saber de uma coisa!? Se a sua lagoa secou o que nós temos a ver com isso? Não sabe pescar, não!? Vem todos os dias aqui buscar o peixe! E por que a senhora não se candidata a vereança aqui dessa cidade, do jeito que a senhora tem talento para pedir, vai ganhar  disparada na frente dos adversários, periga até ser  presidenta da câmara de tantos votos que a senhora vai ter. Depois ganha, manda botar água lá na sua lagoa novamente, aí para de vir aqui pedir peixe. O Zé pescou ontem, daqui a pouco ele sai novamente para pescar, aproveita e vai com ele, se ainda não aprendeu, ele ensina a senhora. E se a lagoa da senhora secou, a terra está ótima para plantação, cavuca lá e bota  muda de marmelo, quem sabe a senhora não colhe varinhas para educar crianças?
_ Meu filho, deixe de ser mal educado com a sua madrinha! Ela sempre nos ajudou quando precisamos, nos protegeu, nos trouxe para perto da casa dela quando te perseguiram por causa daquela pedra certeira que você tacou  na cabeça do filho  de Herodes. Fique quieto que essa  privação que a comadre Flor está passando é geral, todos aqui estão passando. E ela já entrou com recursos para devolverem a água da Lagoa. E se a água da lagoa faltar pra ela, falta para todos,  mesmo porque a fonte não pertence a ela, mas à cidade. Pare de falar e  vá pegar as azeitonas pra mim. Vou fazer os pães para a ceia e quero recheá-los. Não precisa esperar aquele mau elemento do seu amigo Picasso, não!  Vai e me traga bastante, bata na árvore que as azeitonas caem, preciso prepará-las para não amargar o pão! Peça bênção à sua madrinha.
_ Mãe, eu não posso ir agora, entrou um prego no meu pé ontem, acho que está inflamado!
_ Deixe de ser mentiroso, muleki! Esse prego só vai entrar no seu pé quando você tiver 33 anos. Vá! A benção da madrina...
_ Deus o abençoe, menino! E vá falar com a Durvalinda que ela resolve o seu problema lá na escola. Não falte mais às aulas senão você vai ficar burro, e vão te chamar de burro, filho de ignorantes, sem falar que  a sua mãe pode ser processada por causa das suas faltas na escola, entendeu, seu burro! Ah... e quando zoarem você por causa do seu pai, diga que ele está viajando, diga a todos que ele é engenheiro e está fazendo a maquete da biblioteca de Alexandria  para a feira de livros que ele está planejando. É chique! Vão babar em você, muleki! Ninguém naquela escola sabe sobre História, não vão nem  fazer relação dessa maquete com a nossa era. E se algum aluno o interpelar  diga que é tudo sofisma que eles se calam na hora. Ah, mais uma coisinha, encomendei o Refrigerante de Jesus, mandei vir lá de Belém pra você reunir os seus amigos na festinha do seu aniversário. Aquele do Maranhão é falsificado, original mesmo só o de Belém.
_ Entendi, madrinha. A senhora tem lábia de vereadora mesmo, se candidate, o mundo precisa da senhora. Tô indo, mãe! Volto logo!
_ Vá com D..., digo vá com cuidado, meu filho!
Sob a oliveira

_ Coisa mais estranha essa história de ter que desviar o assunto sobre  a vida do meu pai. Nem sei quem ele é. Nunca veio me ver. O que ele faz será? Por que será que ele me abandonou, abandonou a minha mãe, que precisa morar com o Zé, coitado do Zé, até que ele é gente boa, mas nunca vai poder dar uma vida melhor para a minha mãe! Vive de fazer banquinhos de madeira. E se ele resolver formar uma outra família, achar uma mulher com quem ele queira se casar, ter filhos com ela. Certamente deixará a minha mãe. Aí eu vou ter que aturar o mau humor dela! Vixi! Acho melhor eu bater logo nessa árvore, derrubar as azeitonas, levar harmonia pra dentro daquela casa, que pensar demais dá xabu! 
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_ Chore não, Flaudinho! Volte aqui, conseguiremos subir juntos e salvar o seu amigo Gengis. Depois dessa proeza vão dizer que você é a azeitona de uma empada, coisa rara isso, Flaudinho! Vamos cortar o seu umbigão e vai degustar um pouquinho da taça da guerra.
_ Não, dona Maria! (soluçando)
Zummmmmm RRRRatzhr    Zaptzz   Zaptzzz
_ O que  é isso,  Flaudinho? Que ventania é essa, parece um furacão, Flaudinho!? Segure-se em qualquer galho desta árvore, Flaudinho!
_ Não consigo, dona Maria! Estou preso, me enrolei no cordão, estamos passando por  uma tormenta, parece que estão batendo na árvore... Ai, ai, suba, dona Mariaaaaa! Adeus....
_ Me dê a sua mão Flaudinho.... Flaudinhoooooooooooo!  Flaudinhooooooooooo! Muleki! Como você pode cair da árvore  desse  jeito!? Se enroscou no próprio umbigo, Flaudinho!?
Plaft!   Plaft!    Plaft!     Plaft!    Plaft!
_ Ai, que  tombaço! Conheço esse chão, esse lugar, essa escrivaninha... essa... essa... Cadê a N.A.P.O? cadê a N.A.P.O? Roubaram o arquivo secreto da cidade? Um rombo! Fizeram um buraco... há um buraco debaixo da escrivaninha, onde tinha a tomada do telefone... eu tinha desligado o telefone...Mas a chave está comigo? Como? Eu estou com a chave e deixo arrombarem a parede e levarem a N.A.P.O? Pra que serve uma chave se quem quer entrar arromba a parede e rouba o que de melhor nós temos? Eu vi que tinha um buraquinho aqui, mas não dei importância, agora ele virou uma cratera,  um rombo... Onde vai dar esse buraco, vou passar por ele... Ai, tudo dói, e esse meu punho parece que está mais quebrado ainda. Buraco escuro, vou entrar e recuperar a N.A.P.O. antes que o meu pai descubra que fomos    roubados. Que eu deixei que nos roubasse. Está escuro aqui... ai... ai... minhas pernas enroscaram no meu cordão, de novo.... socorroooooooo
Plaft! Plaft! Plaft!   Plaft!    Plaft!
_ Ai, que lugar quente. Onde será que é isso?
_ Seja bem vindo, Flaudinho. Esperava por você!
_ Quem é você?
_ Quem acha que sou?
_ Que lugar é esse?
_ Olhe ao seu redor e descubra...
Continua
Rita Lavoyer